9.
José da Silva Moraes
Sino da
Igreja Nossa Senhora do Carmo
Rua Cel.
Monjardim
Centro,
Vitória-ES
CEP.:
29015-500
Era um
livro. Caderno tem a serventia de poder usá-lo para tomar nota. Em
contrapartida um livro é um objeto de leitura. Traz as informações prontas
dentro de si e a nossa única liberdade está na interpretação do conteúdo ali
descrito. Somos escravos de suas linhas e caminhamos pelas veredas impostas
pelo autor. O problema do livro negro que me atormentou intensamente era o fato
de o autor ser oculto. As palavras brotavam de suas páginas anunciando o
minguar de outra vida. As almas ali descritas receberam a pior sentença que se
pode receber: foram condenadas, por um tribunal invisível, pelos seus crimes
desconhecidos. Desconhecidos, pois eu ainda não conhecia o motivo do nome
delas aparecerem nas laudas obscuras. Assim como eu também não sabia quem
era o executor das malditas penas.
Continuei
sentado. Livro no chão. Olhar fixo na parede à minha frente. Respirava
freneticamente. Por um momento, senti que iria desfalecer ali mesmo. O mundo
girou ao meu redor e a visão ficou turva como se faltasse oxigênio para o
cérebro trabalhar. Fiquei ali sem ter coragem para apanhar o livro que estava
às avessas derramado sobre o tapete da sala. Levantei da poltrona lentamente e
saí por um momento até a escada que dava para o portão da frente. Precisava
respirar um pouco de ar fresco. Tentei acordar daquele pesadelo, pois eu me
sentia um personagem sem graça de um livro ridículo de mistério escrito por um
autor medíocre que arquitetava a minha vida entre um gole e outro do rum mais
barato da prateleira. Sem ter certeza do motivo, chorei intensamente. Percebi
que as lágrimas não eram vãs. Talvez apenas eu tivesse chorado a morte daquele
alguém tão desconhecido para mim, porém que fora o único a saber algo a mais
sobre a minha vida. Ou melhor, parecia ser o único que tinha as respostas para
as múltiplas perguntas que me sufocavam, matando o resto de mim que ainda
resistia.
Voltei para
dentro de casa e resolvi analisar novamente aquelas páginas. Era exatamente o
que eu tinha visto. Uma página preta a mais. O nome daquele homem que tinha
acabado de falecer na minha frente estava gravado em vermelho em suas linhas.
Além disso, uma das páginas brancas também estava grafada de vermelho. Era um
nome e um endereço. Tomei um banho apressado, vesti a primeira roupa que
encontrei e saí em busca da casa escolhida pelo livro. Percebi que também era
no Centro. Mais precisamente, era na mesma rua em que eu morava. Contei os
números na ordem decrescente e percebi uma casa lilás ao lado de um bar. Era
esse o lugar. Um gato me olhava da janela como se vigiasse os meus passos.
Passei pela casa e entrei no estabelecimento vizinho. Pedi um refrigerante e
perguntei para a pessoa por detrás do balcão.
"Você
sabe se a Stela Mascarenhas mora nessa casa ao lado?", perguntei sem
rodeios.
"Stela!
Uma mulher incrível!"
"Então,
ela mora ou não mora?", insisti impaciente.
"Mora
sim, mas acho que ela não está. Passou por aqui com a sua roupa de ginástica.
Deve ter ido correr pela Av. Beira Mar. Ela faz isso todos os dias à tarde."
"Ué!
Ela não trabalha?"
"Trabalha,
sim. Só que em casa, no ateliê dela. Ela é desenhista, pintora... sei lá! Algo
desse tipo!"
"Tudo
bem! Obrigado!", disse enquanto pagava a bebida.
Permaneci no bar até o sol se pôr. As mesas
começaram a encher de gente. As garrafas de cerveja eram repostas a todo
momento pela mesma pessoa que atendia no balcão. Nas minhas mãos, o livro
permanecia enquanto eu esperava. O céu já tinha sido tomado pela noite
quando, na incerteza do retorno, desisti de aguardar. Caminhei para
longe da casa vazia daquela mulher desconhecida como o mundo ao meu redor e,
não muito longe, após alguns passos, ouvi um barulho de fechadura se abrindo.
Para a minha surpresa, ao olhar para trás, vi uma figura abrindo o portão da
construção de cor alegre. Assim como aquele lugar, pela primeira vez, o meu
coração estremeceu de felicidade ao ver que uma das pessoas do livro tinha se
salvado. Não foi anunciado nenhuma tragédia dessa vez. Então, continuei a minha
caminhada rumo ao teto que me abrigava e lá permaneci até o peso das estrelas
fechar os meus olhos com dedos delicados de princesa.