12.
O medo de
encontrar mais um cenário de morte maldito cegou os meus sentidos.
Pé ante pé,
adentrei a casa tentando não denunciar a minha presença. Pela sala, vários
quadros pendiam nas paredes. Eles registravam o movimento da cidade. Mostravam
o desenvolvimento urbano, social e econômico da metrópole e dos seus moradores.
Uns encerravam sutilmente em seu conteúdo tons revoltosos que somente um
ser pensante, analista clínico dos acontecimentos cotidianos, consegue captar
tão profundamente. Entretanto, os que chamaram mais a minha atenção estavam num
corredor logo após a sala. Era formado por trinta e uma pinturas. Todas traziam
cenas cruéis de assassinatos. Em todos eles, pessoas sangravam até a morte
caídas pelo chão de um retrato obscuro. Permaneceriam para sempre enjauladas no
ambiente dantesco que aquelas telas formavam.
Três delas
chamaram a minha atenção, fazendo-me tremer ainda mais. Senti as pernas
bambearem diante daquelas figuras. Os olhos lacrimejaram enlouquecidos. Quem
era aquela mulher que conseguiu registrar tão friamente os momentos de terror
que eu tinha presenciado? Analisei os detalhes pintados em cores tristes. Na
garganta, um amargor turvo como tabaco puro. Quis correr dali. Senti a cabeça
rodar. Eu lutava para manter as bebidas que tinha consumido dentro do estômago
mareado. Percebi que, em todos os quadros, sempre em um canto escuro da
pintura, uma silhueta observava apática a tragédia. A frieza em seus olhos
denunciava a crueldade daquele ser. Como se espreitasse, da sombra, a agonia
alheia, esperando o último suspiro de vida. Não era possível ver os detalhes
daquele ser, pois além de estar oculto na ausência de luz, estava num canto não
muito visitado pela visão desatenta do observador.
Fechei os
olhos por alguns segundos tentando controlar os pensamentos, porém já era tarde
demais. Uma fúria inexplicável tomou o meu ser. Ataquei os malditos quadros
rasgando-os em pedaços. Um a um, foram se tornando farrapos espalhados pelo
chão. Aquilo não era arte. Ninguém deveria retratar o sofrimento humano daquela
forma. Muito menos apreciar atos calculados de cruéis assassinatos a sangue
frio como aqueles. Além de ser imoral e desumano, era inconcebível perpetuar
daquela forma a maldição que me acompanhava. Portanto, a minha ação violenta de
destruição de tais espasmos criativos se justificava em mim mesmo e na minha
busca por paz. Foi uma atitude fundada no sentimento mais comum do ser humano:
o egocentrismo puro e inescrupuloso.
Restava
somente um quando uma sombra denunciou a presença de outra pessoa naquela casa.
Percebi que caminhava lentamente, tentando não levantar suspeitas de seus
passos. Olhei de relance e, ao perceber que fora descoberta, a pessoa se lançou
contra mim com uma faca em punho. Tentei me esquivar, porém fui atingido no
braço que sangrou instantaneamente. Cego pela adrenalina do momento e com o
punhal nas mãos, tentei evitar ser mais um dos desconhecidos que pendiam sem
vida naquela parede.
Imagem: papeisamarelos e jangadeiroonline
