1.
O sol em seu auge queimava a minha retina. Os veículos agitados e o fluxo soluçante do trafego me indicavam que o horário não era propício para pegar o trânsito. Ao meu redor havia somente carros parados e o grande astro insistindo em arder a pele que me envolve. Uma pontada forte na barriga me fez perceber que não era somente aquela refeição que eu estava perdendo. Já tinha perdido várias outras ali deitado. A ausência de sombra me deprimia. A garganta seca amargava intensamente, enquanto tudo ao redor caminhava a passos lentos. Até os pássaros no céu pareciam ter parado. Voavam em círculo como se espreitassem algo. Esperavam a hora certa para o ataque que seria tão certeiro quanto o meu pé dentro daquele buraco. Quase fui ao chão com o desequilíbrio repentino. Uma parede. Salvo por um muro sujo e cheio de rabiscos. Sob aquela ponte, o mundo parecia grande demais aos meus olhos. Entretanto, preferi ficar nos limites da sombra que era formada. Conseguia ouvir os carros que iam e vinham lentamente. Os vários tons de buzinas revelavam a vontade das pessoas em chegar a qualquer lugar em um lugar qualquer.
O sol em seu auge queimava a minha retina. Os veículos agitados e o fluxo soluçante do trafego me indicavam que o horário não era propício para pegar o trânsito. Ao meu redor havia somente carros parados e o grande astro insistindo em arder a pele que me envolve. Uma pontada forte na barriga me fez perceber que não era somente aquela refeição que eu estava perdendo. Já tinha perdido várias outras ali deitado. A ausência de sombra me deprimia. A garganta seca amargava intensamente, enquanto tudo ao redor caminhava a passos lentos. Até os pássaros no céu pareciam ter parado. Voavam em círculo como se espreitassem algo. Esperavam a hora certa para o ataque que seria tão certeiro quanto o meu pé dentro daquele buraco. Quase fui ao chão com o desequilíbrio repentino. Uma parede. Salvo por um muro sujo e cheio de rabiscos. Sob aquela ponte, o mundo parecia grande demais aos meus olhos. Entretanto, preferi ficar nos limites da sombra que era formada. Conseguia ouvir os carros que iam e vinham lentamente. Os vários tons de buzinas revelavam a vontade das pessoas em chegar a qualquer lugar em um lugar qualquer.
Não havia
ninguém ali, além de mim, as sombras e o barulho dos carros. Porém, este último
parecia vir de outra realidade, de um mundo paralelo onde as coisas andavam
mais rápido. Era algo fora de contexto. Uma vírgula na entrelinha do rotina.
Passavam sob o concreto daquela ponte, mas pareciam passar dentro de minha
cabeça. Percebi que uma dor surgia aos poucos começando por detrás dos olhos.
Liguei o pequeno incômodo ao barulho que invadia os meus ouvidos e entrava em
dissonância com o silêncio dos pensamentos. As mãos foram à cabeça.
"Merda". Disse destacando a sílaba tônica. Enfiei a mão no bolso e
peguei um analgésico que estava ali. Estava me esperando no bolso direito
daquele terno que me vestia. Era um terno caro. Parecia ser de grife. Era certo
dizer que as minhas vestes não combinavam com o ambiente. Mais certo ainda era
dizer que fui tomado por um susto repentino. Pela primeira vez, eu me olhava.
Junto com essa série de olhares, surgiu uma dúvida que pedia por
respostas. O ar adentrou as narinas e inflou o peito. Entrava e saia.
Entrava e saia. Estuprava o meu ser. Num momento de desatenção que perdurou por
vários outros momentos, o remédio que segurava caiu ao chão e ali ficou.
Aquela
dúvida. Puts! Aquela dúvida tirou a paz que já era bombardeada pelo barulho dos
carros. Na verdade, não era bem uma dúvida. Não era somente uma pergunta. Era
"a" pergunta. A pergunta que faz tudo girar. A pergunta que movimenta
o mundo. O som dos carros se distanciou diante do grito surdo que ressoava de
dentro para fora. Sem perceber, o mundo silenciou. O movimento involuntário de
lubrificação ocular não acontecia criando uma série de imagens desfocadas. Os
sons, tons e cheiros sumiram. Uma face sobre a ponte. Uma face que não
demonstrava nada. Enquanto o desenho das luzes caminhava pelo chão, os meus
olhos perdidos não enxergavam o ambiente exterior. Eu estava ocupado demais com
a pergunta que trouxe várias outras consigo.
Após algumas
dezenas de minutos olhando para um ponto fixo na parede, voltei à realidade
ainda sem resposta. Pude perceber que a minha voz externava o que acontecia por
dentro. Dizia em voz alta frases sem sentido. Como um louco que não é
compreendido pelos passantes. Acordei a tempo de ouvir a última frase. Ela era
simples, clara. Era exatamente a sua simplicidade que a fazia tão complexa, a
sua clareza que revelava a escuridão que existia por detrás. Com olhos assustados,
repeti a frase maldita que revelou toda a confusão da minha alma.
"QUEM
SOU EU?"
Imagem: Rhaiza Pantoja